
Joaquim de Carvalho
Colunista do 247, foi subeditor de Veja e repórter do Jornal Nacional, entre outros veículos. Ganhou os prêmios Esso (equipe, 1992), Vladimir Herzog e Jornalismo Social (revista Imprensa). E-mail: joaquim@brasil247.com.br
Bolsonaro tratou a ordem de Alexandre de Moraes como papel higiênico e levou caso para águas turvas, onde ele pesca desde que violou o regimento do Exército
Se o Supremo Tribunal Federal (STF) não reagir à desobediência de Jair Bolsonaro, ficará desmoralizado. É o que Bolsonaro quer, já que sua especialidade é nadar no tumulto ou, como se dizia antigamente, pescar em águas turvas.
Desde julho de 2018, por decisão do STF, a condução coercitiva está proibida no Brasil no caso de intimação para interrogatório.
Se Bolsonaro é investigado no inquérito que apura o vazamento de documento sigiloso, ele pode optar por não ir.
Para que um presidente seja processado, no entanto, ele teria que ser denunciado pelo procurador-geral da república e, na sequência, a Câmara dos Deputados teria de autorizar a abertura do processo.
Nesta tarde, Alexandre de Moraes recusou o recurso da Advocacia Geral da União para Bolsonaro não depor, com fundamento na perda de prazo, decisão que dá ao caso contornos de crise institucional.
Bolsonaro estava ciente da intimação desde novembro do ano passado e se manifestou, num primeiro momento, no sentido de que prestaria o depoimento. A lei faculta a ele direito de escolher data, hora e local.
Pode-se dizer que Bolsonaro tratou a ordem de Alexandre de Moraes como papel higiênico e hoje, faltando alguns minutos para o horário do depoimento, a AGU protocolou recurso para formalizar o que, conforme decisão do próprio STF, seria um direito seu: não comparecer ao depoimento.
Bolsonaro agiu como moleque, mas, para ele, isso não é novidade. Em 1987, ele entregou a uma jornalista de Veja o croqui de um plano para explodir bombas na Vila Militar e no reservatório de Guandu, no Rio, e disse que pretendia também soltar umas “espoletas” no banheiro da Academia Militar de Agulhas Negras.
Afirmou que não havia se encontrado com a repórter, mas dois laudos periciais — um deles da Polícia Federal — o desmentiram: o croqui em poder da repórter tinha sido emanado do punho dele.
O Conselho de Justificação do Exército recomendou sua expulsão. Em depoimento formal, seu comandante declarou que Bolsonaro não tinha vocação para a carreira militar, pois seu objetivo era enriquecer, e rapidamente.
O ministro encaminhou a decisão unânime do Conselho para o Superior Tribunal Militar, que, por 8 votos a 4, poupou Bolsonaro, que logo depois pediu aposentadoria proporcional para se candidatar a vereador no Rio de Janeiro.
No julgamento, os votos a favor dele são fracos — contêm muito mais ataques à imprensa do que razões para absolvição, conforme contou Luiz Maklouf Carvalho no Livro “O cadete e o capitão – a vida de Jair Bolsonaro no quartel”.
Um dos que votaram de acordo com o Conselho foi o ministro José Luiz Clerot, que disse sobre Bolsonaro: “Um exame mais aprofundado leva este capitão às profundezas do inferno de Dante”.
Clerot foi preciso. Hoje, ao cumprir a promessa feita em setembro de que não cumpriria mais decisão de Alexandre de Moraes, Bolsonaro mostra mais uma vez que a especialidade dele é mesmo os círculos do inferno de Dante.
Deu um passa-moleque em Alexandre de Moraes, e quais os instrumentos do ministro para reagir?
À primeira vista, não há nenhum, já que a eficácia de uma decisão de Alexandre de Moraes dependeria da PGR e da Câmara dos Deputados.
O mais provável é que nada acontecerá até que Bolsonaro deixe a Presidência da República e seja processado como cidadão comum.
Bolsonaro usou a ação judicial como palanque político e humilhou o STF.
Os ministros precisam reagir, mas como? Pior é engolirem calados.